Como apoiar a presença de mulheres na tecnologia e reduzir desigualdades no setor

A história da tecnologia não começou com startups, telas sensíveis ao toque ou algoritmos. Ela começou com lógica, papel, cálculos feitos à mão, e, muitas vezes, com mulheres à frente. Mas quase ninguém fala sobre elas.
Ada Lovelace escreveu o primeiro algoritmo do mundo antes que alguém sequer pensasse em programadores. Hedy Lamarr ajudou a inventar o que hoje conhecemos como Wi-Fi. Katherine Johnson calculou trajetórias que levaram astronautas à Lua. Grace Hopper criou a base de linguagens que ainda sustentam sistemas modernos.
Essas mulheres estavam lá. Elas criaram. Elas mudaram o jogo. E, mesmo assim, foram apagadas ou deixadas de lado.
Décadas depois, as mulheres seguem ocupando menos espaço no setor de tecnologia do que deveriam. Ainda são minoria nas áreas técnicas. Ainda são vistas com surpresa em reuniões de produto, nos bastidores do código ou na liderança de inovação. Mas isso está mudando.
Elas estão entrando. Estão crescendo. E quando encontram ambientes onde podem ser ouvidas, respeitadas e incentivadas, fazem a diferença, nos times, nos produtos e nos resultados.
É sobre isso que este artigo trata: não só sobre presença, mas sobre permanência. Sobre visibilidade, protagonismo e responsabilidade compartilhada.
Porque garantir espaço para mulheres na tecnologia não é só uma pauta de inclusão, é uma escolha de inteligência, inovação e futuro.
Onde estamos: um retrato do setor de tecnologia
Falar de mulheres na tecnologia é, antes de tudo, olhar para os números. E eles ainda dizem muito sobre o caminho que falta percorrer.
Um relatório de 2021 da TrustRadius, plataforma especializada em negócios do setor, mostrou que em 72% das equipes de tecnologia a proporção ainda é desigual: uma mulher para cada dois homens. Essa disparidade não é apenas estatística, ela reflete nos bastidores, nas decisões, no ritmo de carreira e no espaço que as mulheres têm (ou não têm) para crescer.
A pesquisa também revelou um dado que preocupa, e expõe vulnerabilidades profundas. Durante a pandemia, as mulheres tiveram quase o dobro de chances de perder o emprego nas empresas de tecnologia em comparação aos homens. A crise atingiu a todos, mas afetou de forma diferente.
Outros estudos reforçam o alerta. Segundo uma pesquisa da Accenture em parceria com o Girls Who Code, metade das mulheres que entram na tecnologia abandonam a carreira antes dos 35 anos. O motivo mais comum? Ambientes onde elas não se sentem pertencentes. Lugares onde a cultura interna exclui sutilmente, corrige mais do que escuta, exige prova constante de competência e oferece pouco espaço para errar, ousar ou liderar.
Apesar disso, ou justamente por isso, a presença feminina segue crescendo.
Só nos primeiros cinco meses de 2021, mais de 12.700 mulheres se candidataram a vagas no setor de tecnologia no Brasil. No mesmo período do ano anterior, foram pouco mais de 10 mil. E se olharmos apenas para janeiro, o crescimento é ainda mais expressivo: 116% a mais de candidaturas femininas em relação ao mesmo mês de 2020, segundo dados do Banco Nacional de Empregos (BNE).
Ou seja: as mulheres continuam chegando. Mas o setor precisa, urgentemente, decidir se quer as manter.
Estigmas, preconceitos e estereótipos: o que ainda afasta as mulheres da tecnologia
Quando se fala em tecnologia, ainda é comum associar a imagem a um homem diante do computador. Sozinho, focado, lógico. Quase sempre branco. Raramente uma mulher.
Essa associação não é aleatória, ela foi construída, reforçada e institucionalizada ao longo de décadas.
Muito antes de uma menina escolher sua carreira, ela já foi ensinada sobre quais espaços “combinam” com ela. Não por imposição explícita, mas pelos caminhos que a sociedade ainda pavimenta com sutilezas: brinquedos, elogios, expectativas.
Enquanto muitos meninos crescem em contato com videogames, robótica e computadores, meninas ainda são incentivadas, direta ou indiretamente, a seguir para papéis de cuidado, sensibilidade e suporte. Isso molda interesses e influencia decisões futuras.
A falsa ideia de que homens são naturalmente mais racionais e mulheres mais emocionais já foi refutada pela ciência há muito tempo. Mas ela persiste nas entrelinhas, alimentando a noção de que carreiras exatas ou técnicas pertencem a um gênero específico.
Mesmo quando uma mulher decide quebrar essa lógica e seguir para o setor de tecnologia, os desafios não desaparecem, apenas mudam de lugar. Muitas ainda enfrentam o preconceito de amigos, colegas, professores e até da família. Questionamentos velados, micro agressões, piadas que não têm graça.
Mas essa exclusão não é acidental. A masculinização do setor de TI ganhou força a partir da década de 1960, com o surgimento dos primeiros cursos formais, testes de certificação e processos seletivos estruturados. Na prática, as referências para identificar o “profissional ideal” eram baseadas em perfis masculinos, e criadas por ambientes ocupados, em sua maioria, por homens.
Avaliações de personalidade, por exemplo, valorizavam comportamentos como foco exclusivo em tarefas, baixa sociabilidade e desinteresse por relações interpessoais. Isso era visto como sinônimo de eficiência. Ou seja, o que era critério técnico era, na verdade, um filtro social disfarçado.
Esse histórico ainda pesa. Ainda molda quem entra e quem permanece. Por isso, desconstruir estereótipos e revisar práticas não é apenas uma tarefa social. É uma necessidade estratégica, se quisermos construir ambientes mais diversos, justos e inteligentes.
Mulheres na tecnologia: os desafios de quem escolhe ficar
Escolher entrar no setor de tecnologia sendo mulher já é, por si só, um ato de coragem. Mas permanecer, crescer, negociar e liderar, exige ainda mais.
A primeira barreira muitas vezes é silenciosa, mas constante: a diferença salarial. Assim como em outras áreas, mulheres na tecnologia ainda ganham menos do que homens, mesmo exercendo funções equivalentes. Dados do IBGE (Pnad) mostram que essa diferença pode chegar a 30%.
Parte disso está na forma como o mercado lê comportamentos. A economista americana Linda Babcock, autora do livro Women Don’t Ask, estudou por que as mulheres tendem a aceitar a primeira oferta salarial. Mas o problema vai além da negociação. Quando elas se posicionam com a mesma firmeza que homens, costumam ser vistas negativamente, como agressivas ou difíceis. O que para eles é assertividade, para elas vira ameaça.
E essa não é a única camada do desafio.
A estrutura do setor de TI no Brasil é formada, em sua maioria, por empresas de pequeno e médio porte, com faturamento baseado em projetos sequenciais. Isso cria um modelo de trabalho exaustivo: jornadas de 10 a 12 horas, entregas sob pressão, demandas simultâneas e plantões nos fins de semana. Durante fases críticas de testes e entregas, há casos em que profissionais trabalham até 72 horas seguidas.
Esse ritmo favorece um perfil muito específico: homens jovens, solteiros, sem filhos e totalmente disponíveis. Quem não se encaixa nisso, como mulheres com filhos, é frequentemente descartada no processo de seleção, mesmo quando a empresa declara apoiar a diversidade.
Mas os desafios não estão só nos processos. Estão também no dia a dia, nas entrelinhas, nos corredores. Em muitas empresas, o discurso sobre equidade é bonito. Na prática, não raro, surgem piadas veladas, comentários maldosos, dúvidas desnecessárias sobre a competência feminina.
E há uma cobrança que, embora invisível, pesa: a expectativa de que mulheres sejam naturalmente mais organizadas, mais cuidadosas, mais maduras. Enquanto homens da mesma idade ainda recebem o benefício da dúvida, mulheres são vistas como “prontas demais” e cobradas como tal.
O resultado é um acúmulo de responsabilidades, práticas, emocionais e até simbólicas.
Nada disso é sobre falta de talento. É sobre barreiras que se somam. Mas o simples fato de que tantas mulheres persistem, crescem e transformam o ambiente ao redor, apesar de tudo isso, mostra que o problema nunca esteve nelas.
Por que a diversidade importa?
Quando falamos em diversidade na tecnologia, não estamos tratando apenas de representatividade. Estamos falando de inteligência, de inovação e, de crescimento real.
A participação das mulheres na tecnologia é um passo decisivo para romper com papéis de gênero naturalizados por gerações. Mas é também uma forma direta de transformar ambientes corporativos, trazer novos olhares para os negócios e ampliar o impacto de produtos e soluções.
Num país como o Brasil, onde o setor de tecnologia continua sendo um dos que mais geram empregos, mesmo em cenários de crise, ampliar a presença feminina é também uma estratégia econômica.
O setor ainda paga menos às mulheres do que aos homens. Mas, em média, remunera melhor do que outros mercados tradicionalmente femininos, como varejo, educação ou serviços administrativos. Isso faz da tecnologia um caminho real para emancipação financeira e construção de novas possibilidades de vida.
E o impacto vai além do individual. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2017 mostrou que, se o Brasil aumentasse a participação feminina no mercado de trabalho, o país poderia expandir seu PIB em até R$ 382 bilhões em oito anos. Seriam 3% a mais na economia, com aumento direto no consumo de bens e serviços. Ou seja: incluir mulheres é também impulsionar o país.
Empresas que apostam na diversidade (de gênero, de raça, de vivências) não ganham apenas em imagem. Elas têm retorno financeiro acima da média, segundo diversos estudos internacionais. E há um motivo para isso: equipes diversas pensam diferente, veem o que outros não veem, fazem perguntas que ainda não foram feitas.
Quando mais mulheres ocupam posições estratégicas na tecnologia, elas deixam de ser apenas consumidoras de soluções e passam a ser criadoras. Isso evita distorções que já aconteceram no passado, como quando o aplicativo de saúde da Apple foi lançado sem rastreamento de ciclo menstrual. Um recurso básico, mas esquecido. Porque não havia mulheres no time de decisão.
A diversidade importa porque corrige injustiças, mas também porque melhora produtos, amplia mercados e torna o mundo mais funcional para todos e não só para os mesmos de sempre.
Impulsionando a presença feminina no setor de tecnologia
Nenhuma transformação acontece sozinha. E quando o assunto é ampliar a presença feminina na tecnologia, um dos pontos centrais é o fortalecimento das redes de apoio entre mulheres, a chamada sororidade.
Mais do que um conceito, sororidade é prática. É escuta, parceria e incentivo. Quando mulheres se apoiam e se reconhecem no ambiente profissional, elas criam um espaço mais seguro para se desenvolver, crescer e permanecer. E quanto mais esse apoio se torna visível e institucionalizado, mais força ganha o movimento.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aponta que, mantido o ritmo atual, a participação das mulheres tende a crescer mais que a dos homens em diversas áreas nos próximos anos, incluindo ciência, tecnologia e inovação.
Mas esse avanço não acontece apenas por inércia. É preciso que as empresas se comprometam com mudanças reais, começando por algo fundamental: ampliar o acesso à informação. Divulgar oportunidades com clareza, mostrar cases inspiradores e abrir espaços de visibilidade é o primeiro passo para que mais mulheres se sintam encorajadas a se candidatar e ocupar posições estratégicas.
A cultura também importa. Produções como o filme Estrelas Além do Tempo, mostram o poder das histórias que valorizam o protagonismo feminino. Quando mulheres se veem representadas, seja no cinema, na literatura ou na liderança de uma empresa, elas se permitem ocupar.
No ambiente corporativo, há várias formas práticas de apoiar esse movimento. Por exemplo:
- Criar comitês internos de diversidade e inclusão, com escuta ativa das colaboradoras;
- Estabelecer metas claras de equidade de gênero em contratações e promoções;
- Garantir transparência salarial e revisar políticas de avaliação de desempenho;
- Investir em formações técnicas específicas para mulheres, com mentorias e apoio à capacitação;
- Promover eventos e encontros de troca entre profissionais mulheres, fortalecendo redes internas.
Essas não são apenas ações de RH. São estratégias de competitividade, que tornam a empresa mais plural, mais inteligente e mais conectada ao futuro.
Conclusão
A presença das mulheres na tecnologia nunca foi ausência de competência, foi ausência de espaço, escuta e estrutura. Elas sempre estiveram por perto, mesmo quando seus nomes foram apagados das histórias oficiais.
Hoje, o desafio não é só atrair mais mulheres para o setor. É criar condições para que elas queiram, e possam, ficar. Ambientes onde suas ideias não precisem de validação constante. Onde erros não custem o dobro. Onde suas jornadas não precisem ser justificadas mais do que reconhecidas.
E isso não é tarefa só delas. Lideranças, empresas e instituições precisam assumir o papel de guias nessa transformação, abrindo espaço com consciência, revisando políticas, formando equipes mais diversas e escutando, de fato, quem está dentro.
Incluir mulheres na tecnologia é escolher inovar de verdade. É apostar em soluções mais completas, em visões mais amplas e em resultados mais sustentáveis.
É construir um setor que não apenas progride, mas que evolui.